Comportamento: os perigos da vigilância ilimitada

Última atualização: 18 de fevereiro de 2021
Tempo de leitura: 4 min

Vivemos em um mundo realmente estranho. Julgamos e somos julgados constantemente pelo nosso comportamento. As redes sociais acirram as conversas, polarizam o debate e privilegiam versões parciais. Apesar do universo das opções estar em expansão, o mundo das possibilidades parece cada vez mais limitado. Falo como espécie, me distanciando do indivíduo. A fuga da realidade nos impulsiona ao consumo de entorpecentes. Corremos riscos desnecessários com a esfarrapada desculpa de que precisamos de adrenalina. Adoramos ser enganados por ilusionistas profissionais. Sentimos um prazer perverso em assistir outras pessoas colocando suas vidas em perigo (não fosse verdade, pilotos de F1 e lutadores de UFC não ganhariam fortunas para nos entreter). Gostamos de saber da vida alheia, de contar um segredo para os outros, de fofoca e de fofocar, isso sem falar na bola da vez: o “cancelamento”. Realmente somos esquisitos.

Ideologicamente, sou um enérgico defensor da ciência e um grande entusiasta da tecnologia, apaixonado pelo estudo e evolução do comportamento humano. Há tempos estamos observando o crescimento dos dados disponíveis para os mais diversos tipos de análise. A capacidade analítica nunca esteve tão valorizada como atualmente. Apesar de não concordar integralmente, venho acompanhando a tese de Shoshana Zuboff que afirma estarmos entrando em um novo ciclo. Quando muitos acreditavam que o capitalismo estava condenado, ela intitulou esta nova era de “Capitalismo de Vigilância”, onde a essência clássica do capitalismo envolvendo exploradores e explorados é substituído por vigilantes e vigiados. Este novo modelo funciona por meio da sedução de serviços gratuitos – que bilhões de pessoas usam despreocupadamente – enquanto os financiadores destas comodidades monitoram o comportamento dos usuários nos mínimos detalhes. Assim como no mercado das drogas, os usuários dependentes cometem barbaridades para manter seu vício, enquanto a “cadeia de traficantes” enriquece absurdamente.

Essas informações são valiosíssimas em decorrência da natureza humana que não permite uma relação lógica e coerente entre o que pensamos, falamos, fazemos e sentimos. Mentimos e enganamos a todos, incluindo a nós mesmos, pelos mais variados motivos. A verdade é que não somos confiáveis. Manipulamos e somos manipulados desde quando desenvolvemos a capacidade da fala. “A língua é uma das complexas características que nos tornam humanos”, diz Robert Foley, antropólogo e professor de evolução humana na Universidade Cambridge. Estudiosos acreditam que os primeiros seres humanos podem ter começado a falar buscando cooperação para se proteger, explorar o ambiente e comer diferentes alimentos. Mas nesta mesma época ficou evidenciado o valor estratégico da verdade, assim como do embuste.

Zuboff afirma que o “Capitalismo da Vigilância” nos impõe uma nova ordem econômica que considera nosso comportamento como matéria-prima para práticas comerciais e previsão de vendas futuras. Com o argumento de aprimorar serviços e produtos, todas as nossas atividades são registradas, mineradas e transformadas em dados comportamentais, onde usando tecnologia de ponta, e grandes volumes de informações, é possível prever ações e atitudes nunca declaradas. Indo um pouco além, é possível também implementar gatilhos para modificar comportamentos, criando desejos e viciando rapidamente os mais sensíveis. Nada muito diferente que o velho marketing que conhecemos, mas potencializado de forma alarmante. O resultado deste processo poderá resultar em uma selvagem mutação do capitalismo, com imensas concentrações de riqueza, conhecimento e poder, a níveis inéditos na história da civilização.

Essa distopia poderá juntar uma vigilância estatal com a ganância dos grandes impérios capitalistas, resultando em uma divisão na sociedade entre observadores e observados, gerando assimetrias de conhecimento e poder, inibindo mecanismos de controle e supervisão. Esse é um dos exemplos de violência digital na vida privada das pessoas, usando o lema “é mais fácil pedir desculpas depois do que perguntar primeiro”. Um movimento impondo uma nova ordem coletiva baseada na “certeza absoluta”.

A situação não oferece uma solução simples, mas contínuo otimista e vejo que a evolução tecnológica nos traz mais oportunidades que problemas. Provavelmente essa deve ser minha parte estranha. Acreditar na adaptação humana e crer em dias melhores. A grande maioria das nossas invenções não foram pensadas no seu uso maléfico, assim como usamos invenções de guerra até hoje. Afinal a força da alienação vem da fragilidade dos indivíduos, quando estes apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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