Projeto cocaína e a era dos vazamentos de informações

Última atualização: 6 de julho de 2019
Tempo de leitura: 4 min

Nos acostumamos a usar diversos aplicativos e serviços de forma gratuita. Hoje estamos dependentes deles. E queremos cada vez mais. Da mesma forma como muitos traficantes viciam futuros clientes. Depois de algum tempo, pagamos alto preço para não sofrermos de abstinência. Parecido com o que aconteceu dias atrás, quando tivemos dificuldades em baixar e enviar mídias, como fotos e áudios em diversas plataformas de mídia social, entre elas o WhatsApp e Instagram. O subsídio para o uso destas tecnologias sempre foi a utilização dos dados e mapeamento do nosso comportamento. Depois de alguns efeitos colaterais, como a manipulação de acesso a informações, fake news e publicidade de campanhas eleitorais, esse financiamento foi repensado. Acredita-se que consciente ou inconscientemente houve reflexos nas eleições em vários países ao redor do mundo. O resultado foi a aplicação de punições e multas, além da criação de novas regras de controle.

Na Itália, por exemplo, o Facebook sofreu uma punição no valor de 1 milhão de euros, por utilização indevida de dados dos usuários no caso envolvendo a consultoria Cambridge Analytica, pivô da polêmica de vazamento de informações da rede social. O valor total da sanção foi calculado com base na exposição de 57 usuários italianos do Facebook, que fizeram o download do aplicativo de quiz “This is Your Digital Life”, meio usado para a captura dos dados. Ações parecidas ocorreram em vários outros países ao redor do mundo.

Como sinais dos tempos, foi sancionada, no dia 9 de julho, a Lei 13.853, que criou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão federal que vai editar normas e fiscalizar procedimentos sobre proteção de dados pessoais. Mais um passo para a implantação da LGPD (ou Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), que regula as atividades de tratamento de dados dos indivíduos. Desta forma, o Brasil passou a fazer parte do grupo de países que contam com uma legislação específica para proteção de dados. A LGPD está fundamentada em diversos valores, como o respeito à privacidade; à autodeterminação informativa; à liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; ao desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação; à livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor e aos direitos humanos, liberdade e dignidade das pessoas. Todos os dados pessoais (informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável, como nome, idade, estado civil, documentos) só podem ser coletados mediante o consentimento do usuário.

Se de um lado, com as leis, tentamos controlar e nos proteger, do outro, novas transgressões se popularizam. Em nome da liberdade, transparência e do bom jornalismo, vivemos a era dos vazamentos. Internacionalmente o WikiLeaks, de Julian Assange, publicando postagens anônimas, documentos, troca de e-mails, fotos e informações confidenciais de governos ou empresas, sobre todo o tipo de assuntos sensíveis; e as revelações de Edward Snowden, um analista de sistemas, ex-administrador de sistemas da CIA e NSA, tornando público detalhes do programa de vigilância global da americana PRISM, são os maiores representantes desta nova era. Aqui no Brasil acompanhamos as atividades do The Intercept, cujo foco no noticiário político chafurda nas atividades da Operação Lava Jato, tida, até então, como a maior ação contra a corrupção da história deste país. Quanto mais informações são divulgadas, mais difícil distinguir o certo do errado.

Neste emaranhado social, entre mocinhos, vilões e lobos em pele do cordeiro, surge uma nova rede, chamada 5G, que potencializará esse caos e impactará todas nossas regras de convivência. Além das melhorias lógicas de velocidade e conectividade, essa nova tecnologia liberará um ecossistema massivo da Internet das Coisas, que promete satisfazer as necessidades de comunicação de milhões de dispositivos conectados à rede mundial. Esta quinta geração da comunicação vai muito além da mobilidade e forçará grandes transformações. Se já não bastassem as informações declaradas, nós agora estaremos expostos às informações monitoradas. Será como conviver diariamente com centenas de holters, que estarão não apenas acompanhando nosso ritmo cardíaco, mas a todas as atividades, das triviais e comuns, às mais íntimas e delicadas.

Tempos difíceis se aproximam. Mas já superamos duas guerras mundiais, o holodomor, a gripe espanhola, a peste negra, entre tantas outras tragédias humanas. Nesse novo mundo, sempre surgirá um ciberterrorista travestido de médico, policial ou jornalista. Trocaremos seguros de vida, por antivírus. As classes sociais serão definidas pela capacidade de proteção a exposição de seus dados pessoais, apesar da Lei decretar igualdade para todos. A subvenção do gratuito altera definitivamente a percepção do perigo e congela a capacidade de raciocínio. Menosprezamos os riscos, como em qualquer outra dependência química ou psicológica. Supervalorizamos as intimidades e as revelações, por mais normais que sejam. É o desejo obscuro do olhar pelo buraco da fechadura.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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