Os dados e o diacronismo da comunicação

Última atualização: 2 de março de 2022
Tempo de leitura: 4 min

“Eu tenho, você não tem”, lembra desta frase? Os mais novos provavelmente não entenderão o que eu quero dizer. Mas, acredite se quiser, estou falando de uma peça publicitária dos anos 90 do século passado. Esta frase repetida 5 vezes seguidas por uma criança, buscava despertar a inveja por uma simples tesourinha, (com a cara do Mickey e a Minie – Disney) da fabricante Mundial. Na mesma época, a Mariana Ximenes foi garota propaganda da Boticário, em um comercial de TV para o dia dos namorados, onde a atriz aparecia experimentando os produtos da empresa e conversava com uma vendedora. No fim a pergunta se ela iria dar algo para o namorado, e a Mariana respondia de forma maliciosa: “Vou dar sim”. Dados criam histórias e exemplos não faltam.

Foi desta forma que construímos ao longo de várias décadas, nosso desejo irracional de consumo. Situações claramente persuasivas, agressivas, preconceituosas, ofensivas e discriminatórias que não seriam levadas ao ar nos dias de hoje. Por outro lado, não podemos esquecer que bilhões de pessoas no planeta ganham acesso a entretenimento ilimitado, chamadas de voz e vídeo, localização e geoposicionamento, opiniões sobre restaurantes, hotéis, viagens, enciclopédias, acesso a redes sociais, correio, mensagens e notícias diárias, apenas porque menos de 2% de nós clica de vez em quando numa propaganda, como Aaron Levie, colaborador do The Washington Post, recentemente publicou.

As palavras entram em nossas mentes e mudam nosso comportamento. A repetição tem um poder incrível. Quando várias pessoas, de vários lugares diferentes, em situações diversas, apresentam a mesma ideia, não temos como escapar. Pensar diferente passa a ser até ofensivo. Por exemplo: A lei de proteção de dados (LGPD) é realmente boa? Para quem? Independente da análise técnica da regra, só pela palavra “proteção” é difícil pensar que ela é ruim, certo? Afinal, a discussão sobre segurança de dados e proteção de informações já estava em alta, principalmente por conta de vazamentos, casos de venda de dados pessoais e uso indiscriminado das informações sensíveis por parte de algumas empresas. Desde a sua criação, muitas organizações já estavam de olho nos impactos dela nas instituições. A implementação e adequação a esta lei necessita de grandes investimentos em treinamento, equipe capacitada e infraestrutura física e digital, e no fim quem pagará a conta? Os próprios protegidos, com valores embutidos nos preços de produtos e serviços.

Mas, da mesma forma que no caso das propagandas, existe o outro lado. Sem acesso à dados confiáveis é muito difícil obter insights inteligentes que possibilitem, entre outras coisas, descobrir necessidades não atendidas por meio de tendências emergentes, acompanhar as mudanças de comportamento do usuário, compreender a jornada do cliente e os impulsionadores de sentimento associados para evitar mudanças de lealdade, prever comportamentos futuros e movimentos de mercado, enfim, identificar o que precisamos e queremos. Há evidências de que nós preferimos experiências personalizadas, que nos ofereçam as coisas de forma assertiva e rápida. Além disso, adoramos usar aplicativos gratuitos.

Toda empresa sabe que possuir acesso aos dados dos usuários provê melhores condições para manter fortes relacionamentos. O conhecido poder do Data Driven. Muitas pessoas estão dispostas e expressam entusiasmo em fornecer acesso a seus dados em troca de ofertas, descontos e condições especiais. Os bancos sempre fizeram isso em relação a análise de crédito. Os planos de saúde em relação a nossa saúde, assim como as seguradoras. Não sou contra a Lei de Proteção de Dados, apenas a acho restritiva e anacrônica. Proponho refletirmos sobre o assunto, pois, às vezes, aceitamos muitas coisas como uma verdade absoluta.

A tecnologia nos trouxe inúmeros benefícios, e sou um fã incondicional do desenvolvimento tecnológico. Mas ela nos apresenta alguns desafios e muitos paradoxos. Por exemplo: As pessoas tendem a serem céticas, pois existe uma indústria aparelhada em produzir desconfiança. A reputação é importante porque existe um exército treinado para destruí-la em qualquer oportunidade. O ESG ganhou notoriedade devido ao descuido e desleixo aos cuidados em relação ao meio ambiente, ao crescimento exponencial da desigualdade social e a forma questionável que a maioria dos executivos da alta administração das instituições tomam suas decisões.

Quebrar paradigmas e pensar fora da caixa são ações fundamentais para o crescimento, sobrevivência, e para a saúde de nossa sociedade. Muitas crenças nos impactam diretamente, reforçando padrões que acreditamos que devemos seguir. Oferecer pensamento contrário ou complementar à opinião dominante exige muito esforço e dedicação. Afinal, o uso do cérebro é a atividade que mais consome energia no nosso corpo.

Leia mais: Ux: dados unificados e a experiência do usuário

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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