O ChatGPT e a arte de fortalecer a ignorância

Última atualização: 31 de maio de 2023
Tempo de leitura: 6 min

Estava escrevendo um texto sobre a potencial revolução dos computadores quânticos, mas encontrei um tema similar e mais impactante. O esforço para construir e perpetuar a ignorância. Estão equivocados aqueles que pensam que basta um livro com páginas em branco para gerar ignorantes. A engenharia da produção de insipiência é muito mais complexa e ocorre de várias maneiras. Algumas intencionais e outras nem tanto.

Vamos voltar no tempo, afinal, esse tema não é contemporâneo. Quando Gutenberg inventou a prensa, houve resistência em muitos setores da sociedade. Sua máquina de imprensa contava com uma prancha onde eram dispostos os tipos, ou caracteres móveis, e revolucionou a forma de disseminação do conhecimento e da produção de livros. Porém, esse mecanismo ameaçava o monopólio dos copistas manuais que lucravam com a confecção de documentos, colocando em risco a subsistência desses trabalhadores.

Consta que a Igreja Católica e autoridades seculares controlavam a informação, garantindo que apenas ideias convenientes circulassem. A produção em massa de panfletos, tornou mais difícil o controle das informações disseminadas. A ampla transmissão do conhecimento ameaçava a hierarquia social e o poder das elites. Muitos temiam que o acesso generalizado de ideias levasse a uma desestabilização social e política.

Críticos da época estavam preocupados com a qualidade e a autenticidade dos documentos produzidos em escala, acreditando que os trabalhadores manuais eram mais confiáveis e precisos. Mas, apesar de muitas resistências e debates, a invenção de Gutenberg acabou prevalecendo e transformando a sociedade, democratizando o acesso ao conhecimento e estimulando o pensamento crítico, a ciência e a cultura e, por consequencia, desincentivando a ignorância.

Mas, por que muito conhecimento poderia levar a uma desestabilização social? Diziam que haveria o questionamento das autoridades, pois quando as pessoas têm acesso a mais dados, ficam propensas a contestar as estruturas de poder. Consequentemente, levaria a conflitos e disputas entre diferentes grupos que antes tinham o controle indiscutível do conhecimento. Afinal, elas poderiam formar opiniões e crenças diferentes, e a diversidade de perspectivas produz debates e confrontos ideológicos, com diferentes visões de mundo.

O conhecimento e a informação são ferramentas poderosas, que podem capacitar e mobilizar grupos marginalizados ou oprimidos, e, quando essas pessoas começam a exigir mudanças e justiça, cria-se uma instabilidade social. Alguns questionavam a desigualdade de acesso aos livros, onde aqueles com mais informações e recursos educacionais poderiam ter vantagens injustas em relação aos menos privilegiados, portanto, manter todas as pessoas ignorantes era o único caminho do equilíbrio, da paz e da justiça social.

Quase seis séculos depois estamos discutindo os mesmos pontos. Basta apenas trocar a prensa de Gutemberg pelo ChatGPT da OpenAI. Afirmam que trabalhadores perderão seus empregos, o que é produzido não é confiável, que alguns poucos terão regalias e distinção etc. Alguns defendem a regulamentação, outros uma suspenção temporária, e tem aqueles que querem a proibição de seu uso… E assim a história se repete.

A defesa da ignorância aparece de várias maneiras, como a censura de informações, a desinformação com o compartilhamento de dados falsos, incorretos ou fora de contexto, com a propaganda tendenciosa e manipulada, influenciando opiniões e dificultando a busca pela verdade. Pode aparecer também, na pressão para se conformar com as crenças e opiniões dominantes, espalhando o medo de questionar ou explorar outras perspectivas. No incentivo ao isolamento. No desestímulo a curiosidade, ou mesmo na venda da complexidade. Opções não faltam.

A produção de ignorantes pode ser promovida de diversas formas, mas requer muito esforço e uma indústria organizada. Ela não acontece apenas por acaso. É importante notar que a ignorância não é necessariamente sinônimo de estupidez ou falta de inteligência. Da mesma forma, ter conhecimento em um campo específico não implica, necessariamente, sabedoria ou habilidade em todas as áreas da vida.

Mas o medo, a incerteza e a dúvida são paralisantes. Fácil de ser vendido e mais fácil ainda de ser comprado. A inteligência artificial generativa é uma novidade que irá impactar nossa sociedade e nossa cultura de várias formas e temos muito que aprender para tirar bom proveito. Mas me espanta o número de pessoas admiráveis amaldiçoando e pregando contra uma evolução inevitável. Em breve falarão a mesma coisa dos computadores quânticos.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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