Existem ignorantes inteligentes?

Última atualização: 22 de março de 2023
Tempo de leitura: 6 min

Não quero generalizar, mas tenho a percepção que as pessoas aparentemente ignorantes possuem maior propensão em acreditar que são brilhantes, ao mesmo tempo que as pessoas comprovadamente inteligentes subestimam-se. Concordo que ninguém deve ser julgado pela informação que não recebeu, ou pelas oportunidades que não teve. A questão é sobre aqueles que tiveram todas as chances e as rejeitaram. Existe uma grande diferença entre quem age enganadamente, daqueles que agem enganosamente. Conheço muitas pessoas que premeditadamente evitam o conhecimento.

Sabe aquela afirmação: “parei de ler jornal, de assistir noticiários na TV, de comprar revistas… são todos tendenciosos…”. As justificativas para tal opção são as mais variadas e criativas possíveis. Porém, quanto menos informações recebem, mais confiantes os ignorantes estão de suas próprias ideias e mais conectados em suas bolhas de eco, onde só recebem e reproduzem informações alinhadas com suas convicções. Adoram novos argumentos para reforçar suas opiniões. Os sofistas de plantão agradecem.

A frase “Ignorância é uma bênção” foi reverberada com o personagem Cypher, de Matrix (filme de 1999). Muito antes, o poeta inglês Thomas Gray afirmou que: “onde a ignorância é uma bênção é loucura ser sábio”, ou mesmo John Lennon, já tinha dito que: “a ignorância é uma espécie de benção porque se você não sabe, não existe dor”. Reforço eclético em defesa da ignorância. O pior de tudo é que normalmente os inteligentes são silenciosos e os ignorantes são barulhentos. Tudo acontecendo em plena era da multiplicação e potencialização dos canais de comunicação e da liberdade de expressão.

Existem inúmeras formas pelas quais o “não-saber” afeta nossas vidas. Temos diversas situações relacionadas, como o esquecimento e a deficiência da memória, a necessidade de sigilo, a negação inconsciente, incertezas inevitáveis, os preconceitos que limitam nossa capacidade de compreensão e credulidade. Mas meu foco nessa reflexão são os processos de desinformação premeditados, pelo prazer de distribuir notícias falsas, da sobrecarga intencional de informações aparentemente criveis, e na prática de semear dúvidas e confusão com objetivos determinados.

Por outro lado, a intelectualidade não é algo que pode ser medido por nós mesmos. Os critérios para se medir a sapiência de alguém sempre foi baseado nos padrões de outras pessoas. O cientista e pesquisador James Flynn, se dedicou a estudar a inteligência humana. Ele descobriu um fenômeno interessante, que veio a ficar conhecido como o efeito de Flynn, constatando que o Quociente de Inteligência (QI), medido por testes padronizados, aumentou de forma sistemática, consistente e significativa, ao longo do século XX.

Infelizmente, o ganho de inteligência do século passado não está se repetindo neste século. O antropólogo inglês Edward Dutton, fez um alerta inquietante que, se mantivermos a tendência atual, alguns países podem perder até 20% do QI de sua população já na próxima geração. Testes recentes feitos na Dinamarca, França, Inglaterra e Holanda ratificam essa preocupação. Não acredito que aqui no Brasil seja diferente. O resultado desta involução ainda é imprevisível, mas com certeza será desastroso.

Paradoxalmente, acompanhamos a evolução dos sistemas de Inteligência Artificial Generativa (IAG) com a soberba de alguns afirmando que esse modismo nunca ameaçará o ser humano. Sempre digo que podemos até temer a inovação, mas jamais menosprezá-la. Continuo com a visão otimista, que esses recursos mais ajudam que prejudicam, mas será necessária uma grande mudança na forma como os utilizamos. Não será com dancinhas de gosto duvidoso no TikTok, ou com memes do WhatsApp, que conseguiremos reverter esse quadro. Muito menos nos automutilando com informações desqualificadas.

A conclusão que chego até aqui, é que, para nós que somos profissionais de comunicação, a ignorância nem sempre traz felicidade e nem sempre é ruim, às vezes pode até ser uma bênção, mas em geral ela gera uma má reputação.

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Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

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