Elites em um Mundo em Suspensão

Última atualização: 30 de abril de 2025
Tempo de leitura: 6 min

Vivemos em uma era que se vende como fluida, disruptiva, em constante transformação. Plataformas se atualizam diariamente, narrativas se dissolvem em segundos, profissões desaparecem antes mesmo que aprendamos a explicá-las. O mundo gira mais rápido — ou ao menos é assim que parece girar para quem tenta acompanhá-lo. No entanto, há uma engrenagem que permanece imóvel no centro de tudo: as elites. Elites em um Mundo em Suspensão é o retrato dessa contradição — da tentativa de preservar o poder em meio ao caos.

Enquanto a superfície do mundo borbulha em efervescência tecnológica, climática e ideológica, as estruturas de poder seguem notavelmente estáveis. Esse é o grande paradoxo do nosso tempo: tudo muda, menos quem decide o que muda. Elites em um Mundo em Suspensão capta essa tensão entre transformação aparente e imobilismo real. O novo World Elite Database, que reúne dados de 16 dos países mais influentes do planeta, revela que a elite econômica continua a ser, majoritariamente, masculina, envelhecida, herdeira e altamente escolarizada. Apesar dos inegáveis avanços nas áreas de tecnologia e educação nas últimas décadas, as regras do jogo continuam nas mãos de poucos — e quase sempre dos mesmos. A promessa da meritocracia globalizada, tão celebrada no discurso iluminista, foi apenas parcialmente cumprida. No fundo, quem controla o tabuleiro ainda escolhe quem pode jogar.

No imaginário contemporâneo, a educação e a inovação são vistas como grandes motores da transformação social. E, em alguma medida, de fato são. A digitalização e a ampliação do acesso ao ensino superior deram voz a novas camadas sociais, especialmente nas periferias do mundo ocidental. Contudo, essa mobilidade é mais simbólica do que estrutural. Famílias que alcançam a elite tendem a permanecer nela por gerações, salvo em casos de eventos disruptivos extremos — guerras, revoluções ou colapsos sistêmicos. Foi assim após a queda da Bastilha, em 1917, em 1929 e em 1945. Diante dos eventos que se desenrolam em 2025, a pergunta que paira sobre nós é incômoda, mas inevitável: estamos vivendo mais um desses momentos de inflexão? E, se sim, quem cairá — e quem ascenderá?

Os primeiros 90 dias do segundo mandato de Donald Trump fornecem pistas sombrias para essa resposta. Em tempo recorde, Trump desmontou parte do edifício institucional norte-americano com uma série de ações que desafiaram normas estabelecidas, provocaram reações judiciais e reacenderam tensões dentro e fora dos Estados Unidos. Mais de 30 mil funcionários públicos foram demitidos, e proteções sindicais foram eliminadas para permitir a substituição por aliados políticos. O Departamento de Educação cortou o financiamento para escolas que promovem programas de diversidade e inclusão, o que motivou processos por violação de direitos civis. Trump também assinou a retirada formal dos Estados Unidos do Acordo de Paris e de outros compromissos climáticos multilaterais, priorizando interesses econômicos domésticos em detrimento da responsabilidade ambiental global. Universidades como Harvard, Columbia e Princeton tiveram bilhões em financiamento cortados sob acusações ideológicas, em uma ação que críticos identificaram como tentativa de censura e repressão acadêmica. Além disso, impôs tarifas agressivas sobre importações, especialmente da China, reativando uma guerra comercial que já impacta mercados e consumidores. Para completar, o governo passou a utilizar aplicativos criptografados para debater operações militares, levantando suspeitas sobre falta de transparência e riscos à segurança nacional. Elites em um Mundo em Suspensão encontra, nesse cenário, um exemplo extremo de como estruturas de poder reagem — ou resistem — diante da instabilidade global.

Trata-se de uma estratégia deliberada: não apenas questionar o sistema, mas substituí-lo por outro. A retórica populista da antipolítica não visa apenas mobilizar ressentimentos, mas criar condições para um novo tipo de ordem — centralizada, excludente e autorreferente. A democracia liberal, já fragilizada por décadas de erosão institucional silenciosa, agora é submetida a uma implosão frontal. A comunidade internacional observa com apreensão esse novo realinhamento geopolítico, especialmente porque ele ocorre no coração da maior potência econômica e militar do mundo.

Nesse cenário, a China não apenas observa — age. Sua elite, mais jovem, tecnocrática e estrategicamente formada em áreas como engenharia, inteligência artificial, tecnologia nuclear e ciência dos materiais, opera sob uma lógica de Estado de longo prazo. Enquanto o Ocidente mergulha em guerras culturais, judicializações e crises de legitimidade, a China capitaliza sobre a previsibilidade que oferece. A desorganização institucional norte-americana abre espaço para a consolidação de uma nova arquitetura global liderada por Pequim, com ramificações visíveis na expansão da Nova Rota da Seda, nos acordos energéticos com países africanos e na crescente influência sobre fóruns multilaterais que antes orbitavam Washington.

A inteligência artificial, nesse tabuleiro volátil, deixa de ser apenas uma inovação tecnológica e se transforma em uma força civilizatória. Ela pode automatizar desigualdades estruturais com brutal eficiência — ou pode democratizar o acesso à saúde, à justiça, à informação e à educação. O resultado final dependerá de quem a controla, como a treina e com que objetivo a utiliza. A IA não tem ideologia, mas reflete as intenções e os vícios de seus criadores. A pergunta-chave, portanto, não é se a IA vai mudar o mundo, mas quem estará no comando dessa mudança — e a serviço de que projeto de futuro.

É justamente aí que os países emergentes com importância climática e biodiversa, como Brasil, Indonésia, México e Índia, encontram uma rara janela de oportunidade. Enquanto as potências tradicionais se digladiam e se autossabotam, essas nações podem assumir o protagonismo em agendas como energia renovável, reflorestamento, cidades inteligentes e desenvolvimento regenerativo. Mas para que isso ocorra, é preciso vontade política, projeto de país e articulação internacional. Elites em um Mundo em Suspensão ajuda a entender como essas oportunidades colidem com estruturas antigas de poder, que resistem à mudança. A chance está dada, mas o risco de desperdiçá-la é tão alto quanto o de colapsar sob a pressão das velhas estruturas que se recusam a ceder.

Estamos suspensos no tempo. Não mais no mundo que conhecíamos, mas ainda sem sabermos o que será o próximo. A segunda era Trump não é um detalhe da história: é um catalisador. A China, a IA, o colapso climático, as novas narrativas religiosas e tecnológicas são protagonistas do presente — não previsões do futuro. As elites, mesmo imutáveis diante da tempestade, estão diante de uma bifurcação histórica: resistirão até o último suspiro do mundo que construíram ou terão coragem de abrir mão de parte do poder para que outra realidade seja possível? A mudança está em curso. O que ainda não sabemos é se ela virá pela razão — ou pela ruína.

Compartilhe:

Marcelo Molnar

Sobre o autor

Marcelo Molnar é sócio-diretor da Boxnet. Trabalhou mais de 18 anos no mercado da TI, atuando nas áreas comercial e marketing. Diretor de conteúdo em diversos projetos de transferência de conhecimento na área da publicidade. Consultor Estratégico de Marketing e Comunicação. Coautor do livro "O Segredo de Ebbinghaus". Criador do conceito ICHM (Índice de Conexão Humana das Marcas) para mensuração do valor das marcas a partir de relações emocionais. Sócio Fundador da Todo Ouvidos, empresa especializada em monitoramento e análises nas redes sociais.

Posts relacionados
Sinais Fracos: a Arte de...

Diariamente, somos bombardeados por manchetes sensacionalistas, algoritmos que...

Leia mais >
A Ilusão do Normal: Como a...

O que consideramos aceitável hoje já foi impensável no passado – e...

Leia mais >

Entre em contato

Descubra como a sua empresa pode ser mais analítica.